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Foto do escritorEduardo Regis

O Segredo do Vodou

Frater Vameri



Eu estava lendo o livro “O Segredo da Macumba” de Marco Aurélio Luz e Georges Lapassade (Editora Paz e Terra, 1972) e me deparei com os autores afirmando que a Macumba brasileira é muito similar ao Vodou haitiano. Fiquei surpreso em ver que já em 1972, alguém apontava essa semelhança, já que até hoje, a comparação mais comum é com o Candomblé. Embora, esteja se solidificando a noção da forte herança Congolesa no Vodou e, com isso, esteja-se apontando para a Umbanda e para Quimbanda como parentas mais próximas dessa religião.


O argumento dos autores passa pela dicotomia magia x religião. Essa dicotomia foi muito explorada por Hubert e Mauss e também por Lydia Cabrera. A ideia é que as práticas da Macumba carioca foram tomadas como feitiçaria, por conta da colocação do Candomblé como uma religião mais “africana” por pesquisadores pioneiros como Nina Rodrigues. Quando se coloca uma religião como “mais”, há de surgir uma “menos”, uma deturpada, e, nesse caso, sobrou para a Macumba.


No Haiti, claro, a dicotomia ficava entre Catolicismo e Vodou. Ou, para ser mais exato, entre o ocidente e a África. Por muito tempo, em suas tentativas de ser legitimado como um país reconhecido e livre, o Haiti negou sua herança africana e abraçou o ocidente– entretanto, a força do Vodou não diminuiu, por mais que seus detratores insistissem em tratá-lo como mera bruxaria ou como um “animismo fetichista primitivo”.


No Brasil, a Umbanda, alegam Luz e Lapassade, cedeu ao ocidente e sacrificou o feiticeiro negro em uma cadeira elétrica branca – parafraseando bem livremente Renato Ortiz. Na visão desses autores, a Quimbanda seria sim a herdeira legítima do Quilombo dos Palmares, um bastião de resistência preta e africana em terras de Vera Cruz.


Não que eu concorde inteiramente com essa tese. Apesar de a Umbanda ter elegido o caboclo – o índio romântico (o Peri de “O Guarani”, quase) como talvez um de seus símbolos máximos e com isso, corrido para uma brasilidade neutra – nem africana e nem ocidental, é possível perceber, por exemplo, que a divisão entre Umbanda e Quimbanda é muito mais frágil do que geralmente se admite.

No Vodou, por sua vez, a ocidentalização –alegam alguns pensadores contemporâneos – teria ficado na conta do sincretismo. Assim, não é com surpresa que vemos hoje movimentos fortíssimos no Haiti que estão advogando – e de fato, executando - a remoção de todos os traços sincréticos. O mais evidente, com certeza, o sincretismo de Lwas com Santos Católicos. Porém, não só isso. Além desse movimento de purgo, para completar certas lacunas que alguns julgam faltantes, estão indo à África buscar noções e práticas que não haviam encontrado terreno fértil no Haiti. No Brasil, vemos coisa parecida ocorrendo no Candomblé e também no aumento de interesse pelo Ifá africano.


Não pretendo dizer o que é certo e o que é errado. Religiões são vivas e dinâmicas e o Vodou de hoje não é o Vodou de 1791 e não será o Vodou de 2091. Apenas tento destacar que as transformações religiosas são por demais disparadas pelas nossas compreensões de como essas religiões se colocam e como elas deveriam estar colocadas. Se já em 1972, Luz e Lapassade afirmavam que o Vodou era irmão da Macumba, em 2021 ainda não conseguimos olhar para esses irmãos e entendermos claramente afinal, de onde vem e para onde vão. E será que um dia conseguiremos?

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