top of page

Uma exposição simples acerca dos Lwas

Frater Vameri



Imagem de Lars Nissen por Pixabay


Pode-se considerar que os Lwa sejam a alma do Vodou. Assim, apesar de temas como a ritualística serem interessantíssimos, talvez nada seja mais importante para quem quer compreender melhor o Vodou do que entender com um pouco mais de clareza os Lwa.

O termo Lwa, estima-se, pode ter vindo do Iorubá oluwa, que significa “senhor” ou “mestre”. Ainda, é possível que seja uma corrupção do Fon lon (também lô, lò, loé e lwè) que equivale a “além”, “céu” e “fantasma”*. Outra possibilidade, não tão difundida, é que venha do Iorubá Babalawo**. Seja como for, as duas palavras já dão indicações forte do significado dos Lwa, que além de serem mistérios de um mundo espiritual, exercem autoridade tanto no culto, quanto na vida dos servidores.

Maya Deren, em seu trabalho seminal sobre o Vodou, explica que os Lwa não são meramente espíritos que são convocados ou provocados. Eles fazem parte da própria constituição física dos Haitianos e podem ser herdados, assim como traços de família***. Portanto, estes espíritos são reais e estão presentes. Apesar disso, a relação com os Lwa, claro, não é como a relação com seres humanos e, portanto, é regida por regras especiais e apresenta diversas particularidades.


Como já foi dito, os Lwa são intermediários entre Deus e os humanos. Por isso, muitos entendem que eles são como os Anjos ou como os Santos Católicos. Seres que não são propriamente Deuses, mas que são de natureza diferente ou ainda superior à natureza humana. Estes espíritos, embora frequentem o mundo dos humanos, teriam “residência” em outro local. Concordância acerca desse local, porém, é escassa. Às vezes entende-se que se trata de uma África Mítica, a cidade lendária de Ifé, às vezes uma ilha abaixo do mar e outras vezes, mais especificamente, em uma Vila também mítica.

É claro que a natureza dos Lwa também determina parcialmente suas “moradas”. Por exemplo, Lwas marinhos são compreendidos como vivendo também no mar. Enquanto outros habitam cavernas, montanhas, árvores etc. Na verdade, embora estejam neste outro mundo, os Lwa estão, aparentemente, muito presentes no mundo material. Há relatos inclusive de Lwas que foram avistados em um campo ou em uma estrada, similar às aparições de Santos no mundo católico.

Já que os Santos foram introduzidos na discussão, uma das características mais marcantes do Vodou é sua forte hibridização ou sincretismo. Os Lwas são frequentemente associados a certos Santos Católicos, como Ogou Feray, sincretizado ao São Tiago ou Papa Legba, ao São Lázaro. Os mecanismos pelos quais esse sincretismo ocorreu são alvo de discussão constante e não cabem no escopo deste ensaio, basta comentar que muitas das vezes a motivação por trás do sincretismo parece não estar nas características em comum, mas em determinados elementos das imagens dos santos. Por exemplo, São Lázaro é provavelmente associado a Papa Legba, pois está apoiado em muletas, e o Lwa, por sua vez, usa bengala.

Entretanto, nem por isso o sincretismo deve ser compreendido como algo frágil ou acessório. De fato, ele é um fenômeno largamente observado no Vodou e está intimamente conectado à mecânica desta religiosidade. Alguns ligam isso a uma forte influência Congolesa, marcada por uma característica fluidez. De toda a sorte, esse sincretismo é indissociável do Vodou, seja qual for sua origem.

Sérgio Ferretti afirma que para Roberto Motta, o sincretismo não pode ser mero disfarce ou não teria durado tanto. Assim, Ferretti afirma que Motta entende que o sincretismo é vivido com todas as suas incoerências. Ainda, Ferretti também cita que é possível que o sincretismo seja, na verdade, um processo de síntese, onde cada qual ganha novos contornos****.

É complexa a discussão sobre o sincretismo. Cumpre compreender que faz parte do processo de formação do Vodou e que está, certamente, conectado a todas as dinâmicas desta espiritualidade. Assim, concordando com Roberto Motta, melhor aceita-lo em suas aparentes incongruências.

Os Lwa são dividos principalmente em três categorias: Rada, Petwo e Ghede. Os espíritos Rada são compreendidos como espíritos que vieram da África e são, normalmente, mais pacíficos. Já os Petwo são espíritos de origem Congolesa, embora também se entenda que sejam fruto dos sofrimentos experimentados pelos escravos no Haiti. Por isso, são mais agitados e agressivos. Já os Ghede são os Lwa associados aos mortos e à morte (e, por isso, também à vida, em mais uma contradição aparente que enriquece o Vodou). Apesar do tema sinistro, são surpreendentemente populares, pois são festivos e subversivos.

Os Ghede são particularmente curiosos, pois abarcam inúmeros espíritos de mortos. Isso gera alguma discordância e dificuldade na compreensão e na concordância de sua “hierarquia” nas classes de espíritos. Alguns autores e praticantes entendem que eles estariam abaixo dos Ancestrais em uma medida de relevância dentro da cosmogonia do Vodou. Outros, não os diferenciam dos demais Lwas.

O número de Lwas é incalculável. Por conta da questão do envolvimento familiar forte e dos Ghede e de ancestrais divinizados, em alguma medida, novos Lwas podem ser adicionados a todo o momento (cumpre sempre ter em mente que a discussão sobre o papel e natureza de ancestrais divinizados, ancestrais biológicos e mortos é complexa e sem consenso aparente). Mesmo que isso não ocorresse, o número de espíritos já seria enorme e com as variações de casa para casa e linhagem para linhagem, o trabalho de catalogar estas entidades seria hercúleo.


Referências:

* ACKERMANN, GAUTIER & MOMPLASIR. Les Esprits du Vodou Haitien. 2011. Educa Vision Inc. Página 31

** GILLES, J. & GILLES, Y. Remembrance; Roots, Rituals and Reverence in Vodou. 2009. Página 38

***DEREN, M. Divine Horsemen: The living gods of Haiti. 1983. McPherson.

******* FERRETTI, S. Repensando o sincretismo. 2013. Arché Editora.

167 visualizações1 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page