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Relações Espirituais

Frater Vameri



Imagem por Pixabay.


Nesta semana, a reflexão fica por conta do artigo “Um lugar para os espíritos: os sentidos do movimento desde um povoado haitiano” de Rodrigo Charafeddine Bulamah publicado na revista cadernos pagu em 2015. Rodrigo apresenta uma discussão relevante sobre o papel dos espíritos na vida Haitiana e gostaria de discutir especialmente um caso que ele relata.


O caso em questão se desenvolve ao redor de uma família que havia diminuído drasticamente a frequência do cumprimento de seus deveres devidos aos espíritos familiares por conta da conversão ao Cristianismo. Uma antiga e frondosa árvore da residência deles, usualmente um ponto de realizações de oferendas a um espírito familiar, despertou o interesse econômico e foi derrubada e vendida. Seguiram-se então diversos infortúnios que levaram a família a procurar aconselhamento espiritual. Descobriu-se então que o espírito que morava naquela árvore estava furioso e queria uma casa nova. Em uma festa então, o espírito apareceu como uma cobra e indicou o local da construção da nova casa. O dinheiro ganho com a árvore foi todo investido na nova morada para o dito espírito.


É impressionante como a história se encerra em sua própria origem. É o relato da própria dinâmica estreita entre a espiritualidade, o cotidiano e o contexto. Por mais que a família tenha voltado as costas para os espíritos, não é possível se desligar dos espíritos por completo e eles não se acanham em lembrá-los disso.


Evidentemente que a relação com os espíritos para quem pratica o Vodou e não é Haitiano é um tanto diferente. Não se tem, por exemplo, conhecimento e nem relação om estes espíritos “herdados”. Nota: dentro do contexto do Vodou. É evidente que em alguma tradição específica familiar possam existir os mesmos conceitos. Então, geralmente, a aproximação com os lwas e demais espíritos do Vodou se dá de outras maneiras. De toda a sorte, há um recado claro aí e que já foi alvo de discussão em artigos deste site. Existem espíritos, determinados espíritos, que nos acompanham por qualquer razão e não trabalhar com eles pode ser ou uma oportunidade perdida ou até mesmo simplesmente perigoso.


Relatos como esse que Bulamah traz em seu artigo não são novos e não são infrequentes. Quem se dedica a ler as obras disponíveis sobre o Vodou Haitiano (principalmente as etnografias) encontrará exemplos diversos de situações nas quais a negligência com os espíritos se torna um problema. Agora, a questão aqui é: por qual razão os espíritos nos cobram algo?


Aqui, como Bulamah faz e Flavia Damalso também já fez, eu trago à discussão Marcel Mauss e suas proposições sobre a dádiva. Mauss nos mostra que as trocas e que a valoração que há nas trocas em si é fundamental para o arcabouço social. Por conseguinte, podemos imaginar que além do que é dado ao espírito, o símbolo do que é dado conta, pois seria a partir desse símbolo que a relação seria, de fato, estruturada. Ou seja, ao oferecer um sacrifício de galo a um espírito, é preciso considera que além do galo há o símbolo do galo. Este símbolo seria constituído do animal em sim, da relação entre quem oferece o galo e o galo, do gasto financeiro ou de esforço para se adquirir o galo, do tempo e dedicação em preparar a cerimônia e do ato sacrificial em si. Assim, esses elementos simbólicos constituíram a relação entre o homem e o espírito. Sendo o galo em si uma dimensão material e de sangue com outras finalidades (Não menos relevantes, que fique claro. Não quero dizer que tudo se encerra no simbólico, mas sim que o simbólico estrutura as relações).


Ao dar o galo, o humano que serve o espírito, espera receber e em troca de receber, o espírito esperar dar. Quando essa cadeia é quebrada, as relações se abalam e isso efetivamente não é interessante para a parte que fica esquecida na equação. No caso em tela, os humanos se voltam a outra espiritualidade, na qual ocorre sua própria “dádiva”. Entretanto, o espírito que fica sem sua parte relacional, perde mais do que um “galo”, perde sua identidade. Quem é o espírito de uma família se a família não o reconhece mais? Ou se o reconhece, mas o ignora, então, como fica essa relação? Como fica a identidade do espírito? É evidente que ela se altera. Antes um aliado, pode passar a ser uma fúria a ser aplacada.


Ora, é evidente que eu não posso dizer com exatidão a razão pela qual os espíritos cobram. Então, por favor, entendam esse artigo pelo o que ele é de verdade, um mero exercício intelectual. Como eu já deixei claro ou aqui ou em outros locais, o exercício intelectual não pode dar conta de descrever as coisas e as experiências por completo e achar que sim muitas vezes leva ao erro.


O artigo de Bulamah é muito feliz em explicar bem como se dão diversos aspectos da espiritualidade Haitiana. Recomendo fortemente a leitura e deixo aqui o endereço para acesso ao mesmo:


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