Performance, Morte e Erotismo.
- Eduardo Regis
- 30 de set. de 2020
- 3 min de leitura
Frater Vameri

Foto por M. M. Beasley in: Myron M. Beasley(2010)Vodou, Penises and Bones Ritual performances of death and eroticism in the cemetery and the junk yard of Port-au-Prince,Performance Research,15:1,41-47,DOI: 10.1080/13528165.2010.485762
Neste artigo eu trago a discussão levantada por Myron M. Beasley em um artigo que trata de performances acerca da morte e do erotismo no Vodou. A razão de eu ter me interessado especialmente por este artigo orbita ao redor da dualidade “sexo & morte” que caracteriza os Gede. Essa dualidade, eu acho, é frequentemente ou mal compreendida ou pouco compreendida. Entretanto, essa dinâmica entre a coisa erótica e o fim da vida é reveladora e destaca uma das importâncias dos Gede.
É curioso que Beasley comece seu artigo destacando a similaridade entre a morte e uma performance. Beasley destaca que ambas as coisas são misteriosas e que guardam semelhanças: como deixar impressões de coisas que já se foram e, por exemplo, saudade. Assim, Beasley tentará desvelar por meio de uma etnografia curta acerca da performance de morte o que, afinal, a morte e o erotismo têm em comum.
Aqui, vale citar um informante de Beasley que afirma: “O Vodou é o que somos, é algo do qual não se deve ter medo... ele nos protege. A Morte é tanto o começo quanto o fim, a morte [Gede] é uma amiga bem vinda”*
*Vodou is who we are, it´s nothing to be afraid of… it protets us. Death is both the beginning and the end, [Gede] death is a welcomed friend”.
Este breve discurso nos mostra coisas muito diretas que podem ser apreendidas do pensamento deste informante: Vodou é mais do que uma mera prática religiosa; a morte é mais do que um mero fim. O interessante aqui é pensar se podemos generalizar essas impressões pessoais ou não. Acredito que possamos e assim conseguiremos entender melhor o papel do Vodou e de sua mitologia na vida de quem está imerso nele.
Beasley cita Bataille que afirma que o erótico é uma maneira de nós nos sentirmos vivos e que envolve um certo dissolver da pessoa para passar de um estado normal para um estado erótico. Isso, Beasley correlaciona com os rituais de Gede que envolvem transgressões e exibições de cunho erótico e também mortuário – aqui podemos perceber que o dissolver também se encontra na morte, que também é uma passagem de um estado para o outro. Então, o ato de passear entre estados é algo que conecta o erotismo e a morte de maneira bem íntima.
Costura também, Beasley, uma similaridade interessante entre esse transitar erótico e mortal com o estado de ritual religioso – ou talvez com o êxtase religioso, poderíamos falar. Citando Somè, Beasley nos conta que os espaços de sacralidade podem nos fazer “sucumbir”, que passa uma ideia de deixar-se levar e até mesmo de se dissolver. Ao “sucumbirmos”, podemos então nos transformar.
Uma das performances que Beasley testemunha e conta é bastante notável. No dia dos mortos, enquanto conduzia seus estudos no cemitério de Porto-Príncipe, Beasley viu um homem conversando com um Gede e depois sendo abraçado pelo mesmo e caindo no choro. A suposição é que Gede tenha falado coisas impactantes para o homem. Seja como for, o homem consultado pega a bebida de Gede (Rum repleto de pimentas) e usa como um lubrificante para se masturbar no espaço sagrado. Beasley não falha em apontar que isso soaria como blasfêmia para muitos, mas ali é um ato sagrado. O sêmen é um líquido sagrado que guarda os mistérios da vida e a vida é o veículo para o espírito – e o corpo o veículo para o Gede. Há ligações e conexões múltiplas.
É evidente que o estudo de Beasley vai além, mas paramos aqui para os nossos propósitos. Beasley parece apontar para o fato de a performance ser um meio pelo qual podemos nos deixar transitar entre estados. Isso pode ser uma pista para explicar o caráter exibicionista dos Gede. Além disso, como morte e o erotismo também são, por excelência, mudanças de estado e de natureza, podemos ver como se conectam. Só morre o que é vivo e a vida só se perpetua pelo erotismo. Assim, é sem muito medo que podemos pensar que o erotismo é a expressão da morte.
Referência:
Myron M. Beasley (2010) Vodou, Penises and Bones Ritual performances of death and eroticism in the cemetery and the junk yard of Port-au-Prince, Performance Research, 15:1, 41-47, DOI: 10.1080/13528165.2010.485762
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