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O Fogo Congolês do Vodou

Fr. Selwanga



O Fogo Congolês do Vodou

Fr. Selwanga

A nação do Congo é dividida em dois pontos de origem, o Congo Fran e o Congo Savan. O último é considerado um aspecto mais selvagem e mais “satânico” da nação Congo, enquanto o Congo Fran é considerada a forma pura e original das ritualísticas Congolesas. O Congo Fran é guardado pelo Lakou Soukri Danach em Gonaives. Interessantemente, há apenas alguns quilômetros de distância também achamos o famoso templo de Souvenance, dedicado aos Lwas da Giné ou Rada. No mesmo distrito também achamos o templo Nanbadjo dedicado aos Lwas Nagôs e aos Ogous, fazendo de Gonaives um lugar muito interessante em termos de preservação de tradições autênticas lado a lado e em aceitação mútua, o que ajuda na manutenção da expressão original destas três divisões.


Os Lwas do Congo gostam de tecidos multicoloridos, o que pode ser uma referência aos diversos cultos de Egungun na África Ocidental e também é interessante notar que esse foco no uso de tecidos multicoloridos é encontrado na rama obscura de Palo Mayombe chamada de Changani. Estes Lwas bebe klerin e assorossi, uma bebida preparada do melão amargo (Momordica sp.) e sal grosso. Estas bebidas representam a natureza amarga e dura dos Lwas Congo já que o sal representa o fogo ardente do oceano. Estes atributos são geralmente dados ao Lwa eritaj do Congo Bó Lanmé, o verdadeiro Congo do Oceano Bom. Esse nome é dado em memória à travessia do atlântico, para lembrar que o Congo Fan veio do delta do Congo e do Zaire.


A nação do Congo apresenta Mayombe, Moussoundi, Capalou e Mondong e é subdividade em Wangol, Zandor e em muitos casos, mas não sempre, em Petwo. A nação Congo é informada pela paisagem do Congo, tendo o majestoso rio Congo correndo através da savana mítica ou reino de fogo e das matas de Mayombe, as dimensões de água e cura da nação Congo.


Quando observamos os Lwas servidos no Congo Fran encontramos alguns como:


Chou Chouko Koululououtt, Choukoun, Ganga Bila, Ganga Ndoki, Gran Gènge, La Ren Kongo (Kimpa Vita), Laoka Ganga, Mambo Choun, Mambo Inan, Mambo Doudou, Marassa, Nanman Pemba, Zazi Mpoungwe, Yaya Mpoungwe e outros. A maioria desses eram mambos e houngans associados com as águas do Congo, mas como uma ênfase particular em mambos tendo descendência mítica ou real de Kimpa Vita, a Rainha do Congo.


O Congo Savan nos dá Lwas como Bazòl, que era parte do nome completo de Figaro, o escravo fugitivo que fundou o templo em Nansoukry nos meados de 1770. Também encontramos Chaloten, que é o Lwa das ravinas ou do abismo, Ezili Toro, Kafou Toro, Kantolo, Toro Dichen e outros. Todos são considerados rígidos, voláteis e muito difíceis e violentos. Também vemos aqui como o Lwa Bossou acaba ressonando com a nação do Congo.


Kimpa Vita, a Rainha do Congo é de importância imensa para entendermos a natureza da na nação do Congo já que em seu âmago encontramos sua iniciação na Sociedade KImpasi. Jason R. Young escreve o seguinte sobre o assunto:


"A iniciação de Dona Beatriz em uma sociedade Kimpasi joga luz sobre diversos dos temos centrais tratados neste capítulo. Em sua iniciação, Beatriz foi levada ao claustro Kimpasi e, por meio de uma série de rituais, caiu em uma morte simbólica caracterizada por uma catatonia profunda. Ela então foi levada ao altar de iniciação, que incluía um monte grande de terra no meio do qual estava uma cruz de madeira também grande, simbolizando, de uma vez e ao mesmo tempo, a Cristandade e a junção deste mundo com o próximo, comum entre as regiões falantes de Kikongo. Em cada lado da cruz estavam outros itens eclesiásticos, como turíbulos e aspiradores. Ainda, várias kitekes – esculturas com formas humanas ritualisticamente investidas com poder de procurar malignidades, inveja e cobiça- guardavam o altar. Outros itens, como as garras de um predador objetivando “capturar” os malfeitores, serviam metonimicamente para aumentar o sentido de potência do ritual. Uma vez dentro do claustro, a Beatriz foi simbolicamente revivida, embora, depois de sua incursão ritualística no mundo dos mortos, ela retornou possuindo uma nova e sobrenatural alma. Nas semanas e meses seguintes, ela, assim como outros iniciados, foi secretamente no claustro Kimpasi e aprendeu uma nova língua que simbolizava sua passagem. Noviços dessa sociedade também gozavam de imunidade a vários tabus e restrições sociais que eram aplicadas a outas pessoas”*.


Vamos agora observar os elementos centrais envolvidos na sociedade Kimpasi como os encontramos na nação Congo. Vemos aqui que os espíritos Simbi, Nkita e Mbumba, que na sociedade Kimpasi se apresentavam como espíritos protetores, geralmente protegendo conta ataques de feitiçaria ou de wanga. No Haiti, entretanto, a proteção contra a magia e o fazer magia não era sempre tão claros. No Congo e no baixo Zaire, os Simbis e Kisimbi são espíritos da natureza, cobras aquáticas e curandeiros e se relacionam com nossa ancestralidade como criaturas da Terra. Os espíritos Nkita são considerados violentos e espíritos protetores fortes que eram geralmente ancestrais que sofreram mortes violentas. Os espíritos Nkita podem ser perigosos e podem causar paralisia naqueles que cruzam seu caminho e atributos canibais são atribuídos a eles, muito provavelmente devido as suas demandas por sacrifício humano.


No Congo Savan, o chefe é Ti Jean Pye Séche, Joãozinho do Pé seco, marido de Marinette Pýe Ché, Marinette do Pé seco, esta última sendo a Rainha de Zandor e Ti Jean sendo descrito como um espírito nanico e manco que é idêntico ao chefe da nação Petwo, Ti Jean Petwo, ambos sincretizados com São Bartolomeu. A estatura baixa de Ti Jean é reminiscente dos espíritos baka, or mbaka in kikongo, que significa um homem pequeno e barbudo capaz de mudar de forma, estes mbkas apresentam uma preferência por correntes e fogo, que, por sua vez, traz associação com Animal Sola e com os poderes do purgatório. E isso é importante: Kimpa Vita foi a Rainha do Congo, porém foi pelo nkisi Santo Antônio de Pádua que ela recebeu seus poderes! Esta é uma abordagem muito Congolesa ao poder, adereçar algo poderoso, um objeto ou pessoa de acordo com seu lado social e religioso e dar a isso um novo contexto no qual seus poderes são destacados em uma maneira mais direta e feiticeira.


Isto também é interessante quando vemos os Lwas conciliados e servidos na nação Congo, já que vários desses nomes são bem conhecidos na história sagrada Congolesa. Aqui aprendemos que o Rei Bazou, que foi logo creolizado em Roi Wangol, o Rei de Angola, teve 101 filhos com a Rainha Mambo Inan, a Rainha Ígnea. Mambo Inan tem seu dia de festa no dia 15 de Agosto, que é uma data importante para Kimpa Vita, mas também é o dia da Festa de Assunção ou quando a Dormição ou cair no sono da Mãe de Deus é celebrada. Assim, podemos ver a mensagem aqui codificada de que quando os santos dorme, o diabo ronda pelo mundo...


Bazou e Inan tiveram primeiro trigêmeos homens, que são os primeiro marassa ou gêmeos divinos**. Estes eram chamados de Jatikura, Laoka e Ganga Ndoki. Laoka, entretanto, dormiu com sua irmã, Madam Lawé e a criança nascida dessa relação incestuosa foi abandonada nas matas. Ganga Ndoki achou a criança e a nomeou Zinga Bwa, Zinga das matas, que se tornou o ajudante de gana nas matas. Zinga Bwa, porém, permaneceu para sempre como criança. Dos trigêmeos era Ganga Ndoki que possuía conhecimento ma´gico, enquanto Jatikura foi nomeado como o guardião do monte Ganga, o local no qual os segredos de Bazou estavam guardados. Um filho tardio de Bazou, Lemba, que representa o ethos do guerreiro e o relâmpago, acabou roubando os segredos de seu irmão Ganga, o que acabou gerando tensão entre os dois irmãos.


Outros lwas e mysté como Masa, que significa “água”, e Mbumba, significando “serpentino” também fazem parte da nação Congo e mesmo que todos sejam associados a características de cobras e a fenômenos naturais como trovão, relâmpagos, vento, noite, lua e outros, estas qualidades se mesclaram a um lwa creolizado tornando Mbumba, um espírito de um cadáver serpentino no Lwa Boumba Eskaly, no sentido de uma cobra que cruza uma escadaria e sua forma sendo a de um homem pequenino em um terno preto e com pés como grandes cruzes, fazendo dele um espírito similar aos Bawons ou Gede, o que enfatiza seu lado de cadáver ao invés de seu lado serpentino.


A nação do Congo representa este equilíbrio entre água e fogo que é tão central no vodou e pode até ser que o elemento mais importante no kanzo, o boulle zi, seja derivado da iniciação Kimpasi de Kimpa Vita, já que uma parte importante deste ritual era ferver pedras de rio que eram lançadas quentes ao chão. Aqui vemos os Simbis, grandes magos, cobras aquáticas, se fundindo com os violentos e protetores Nkiti, espíritos Lemba, e estamos recebendo soluções e compreensão do Lwa Mbumba.


Narrativas mágicas similares são encontradas também no Palo Mayombe e no Palo Briyumba em Cuba, assim como encontramos ecos do Orixá Osanyin e de Aroni na relação entre Ganga e Zinga Bwa e também nisso; na relação mística entre Papa bonés e Sasabonsam com Anima Sola no Obeah de Trinidade. Não apenas nisso, mas na Quimbanda Brasileira que vai até Angola e ao Congo, encontramos o Exu Ganga como testemunho da presença vibrante da espiritualidade do Congo também lá.


Os Lwas e esko pertencentes à nação Congo são fogo trazido atrvés de oceanos de memória que protegem e fazem gard e wanga. Eles são fenômenos naturais, geralmente ligados ao fogo e à noite, sempre protetoras e flamejantes, com um pé no fogo e outro na água.


* Jason R. Young, disctundo a iniciação do Santo Antônio – Dona Beatriz Vita em “Rituals of Resistance: African Atlantic Religion in Kongo and the Low country South in the Era of Slavery”.

**Marassa é do Kikogo mahasa, que significa “mais de um”.

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