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Nan dòmi mwen...

Frater Vameri


Imagem de Suju-foto por Pixabay.


Neste artigo comento sobre o trabalho de Adam McGee cujo título é “Dreaming in Haitian Vodou: Vouchsafe, Guide and Source of Liturgical Novelty”. Raras vezes li um artigo sobre o Vodou Haitiano que integrasse tão bem os valores da prática com o interesse acadêmico. Mcgee aponta neste trabalho que os sonhos são elementos importantes no Vodou, tanto para introduzir inovações como para a fluidez litúrgica e cerimonial corriqueira.


McGee cita uma passagem de Métraux, na qual este pesquisador nota que é considerado perigoso acordar um houngan (oungan, a grafia pode variar e há razões para isso, mas deixemos esse tópico para outro momento), pois ele pode estar naquele momento do sono recebendo mensagens importantes dos espíritos. Esta observação de Métraux já nos indica que o dormir e o sonhar são partes sérias da vida no Vodou.


É falando sobre a seguinte expressão em Kreyòl – nan dòmi mwen (no meu sono)- que McGee dispara a sua discussão. Para ele, em Kreyòl não se expressa o sonho como algo muito próprio, isto é, trata-se o sonhar como algo do dormir. Assim, o autor entende que tão natural quanto dormir é sonhar e que não há nada que separe de maneira muito radical a realidade do sonho da realidade concreta.


Entretanto, há diferenças entre o sonhar e o estar acordado. McGee entende que o sonhar seja mais “poroso” e que, por isso, permita a interação facilitada entre o mundo espiritual e uma determinada pessoa. Portanto, o contato com os espíritos é feito de maneira importante pelo sonhar. Assim, nos sonhos, recados e instruções são passados e todo o tipo de interação acontece – até mesmo interações amorosas entre Lwas e pessoas.


É por estas interações que McGee entende que inovações litúrgicas possam ocorrer. O autor cita o caso em que um sonho o levou a “batizar” seus pratos de Marasa, algo que não teria sido executado caso o sonho não tivesse apontado esse caminho. Por outro lado, McGee também salienta que os sonhos podem vir para reforçar certas coisas que são já consideradas esperadas dentro dos costumes e liturgia. Por exemplo, quando uma mambo (manbo, outra grafia possível) sonha com os Lwas nas suas formas de Santos Católicos. Portanto, para além de serem apenas fontes de inovação, os sonhos são comunicações.


Ainda, McGee comenta que os sonhos levam pessoas a procurarem o auxílio dos sacerdotes e que estes também usarão o sonho para encontrarem possíveis soluções para seus clientes. Sonhos também são “procurados” em diversos rituais do Vodou, como no Kanzo e na iluminasyon. Ou seja, vemos claramente que a dimensão onírica é muito explorada no Vodou e, por isso, McGee classifica o Vodou muito propriamente como uma “religião sonhada”.


Curiosamente, McGee cita diversos elementos que são observados pelo sacerdote para tentar decodificar o sonho. Isto, pois, nem sempre os sonhos são diretos e vem com mensagens claras. Por exemplo, de acordo com o autor, os Lwas costumam aparecer usando a aparência de pessoas conhecidas de quem sonha. Então, o sexo, a cor da pele, os maneirismos, as roupas dessa pessoa e muitos outros detalhes são indícios que ajudam a desvendar qual espírito estaria falando com quem sonha. Cumpre notar que esses não são fatores determinantes quando vistos de maneira isolada. Por exemplo, um espírito feminino poderá assumir a forma de um homem – não há uma regra estrita quanto a isso.


Acredito que esta breve discussão do trabalho do Mcgee tenha sido suficiente para deixar claro o quanto o sonhar é relevante no Vodou Haitiano. Recomendo aos interessados a leitura do artigo original, que conta com maiores detalhamentos e que toca brevemente em questões muito relevantes, como a questão do sincretismo.

O artigo de McGee pode ser encontrado aqui:

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