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Kanaval - Vodou na folia

Frater Vameri


Imagem de Ruth Acher por Pixabay.


Leah Gordon nos conta que antes da quaresma, lá em Jacmel, no Haiti, na chamada mardi gras (a nossa terça-feira de carnaval), grupos de Haitianos saem pelas ruas improvisando espetáculos com tom satírico que versam sobre política e sobre tudo mais. Nesse meio, Gordon aponta que há uma pitada de “Vodou clandestino”.


Duas coisas me interessaram no relato de Gordon: a mistura de Vodou e carnaval e a noção de “Vodou clandestino”.


Gordon, sobre a mistura de Vodou e Carnaval, apresenta a história de Andre Ferner, uma servidora de La Siren. Ela se veste de La Siren no carnaval por conta de seu amor a esta Lwa. Sua fantasia a transforma na própria sereia que sai pela rua disfarçada (para que as pessoas não vejam, por exemplo, sua cabeça de peixe e sua cauda) para se juntar às festividades. Através do ato de Andre, percebemos como é possível que os próprios espíritos do Vodou tornem-se foliões.


Além disso, é evidente que o Vodou atua em outra ponta, como forte inspiração. Carnaval é um momento de inversão de papéis, então, de certa maneira, é o momento de se brincar com os Lwas. Isso Gordon ilustra bem na história de Dieuli Laurent, que se veste como uma drag Zaka (o Lwa da agricultura).


Assim, como parte integrante da vida do Haitiano, o Vodou se revela como um fator não só importante, mas também estruturante para as festividades de carnaval. Não é muito diferente do que acontece no Brasil. Aqui, as escolas de samba e alguns blocos (como o Cacique de Ramos, no Rio de Janeiro) têm ligações indissociáveis com expressões religiosas como o Candomblé. É comum que nos desfiles e nos sambas, figuras da cosmologia Afro-Brasileira apareçam.


Agora sobre o “Vodou clandestino”. Não sei bem o que a Gordon quis dizer com isso. Eu confesso que não tive acesso ao livro dela sobre o Kanaval, somente a um discurso que ela apresentou (ignoro onde). Talvez ela tenha querido dizer que no carnaval ocorre um Vodou livre, irrestrito, no qual tudo é permitido e que não passa pelos olhos e pela cerimônia de um Hounfor. Seria esse Vodou muito livre que proporcionaria coisas como a Drag Zaka e quem sabe mais qual tipo de inovação, sátira ou expressão genuína.


Entretanto, falar de um Vodou clandestino parece-me muito estranho. Vodou é uma espiritualidade que girar em torno dos espíritos. Cada casa faz Vodou de certa maneira. No norte do Haiti a expressão em geral segue uma linha diferente da seguida no sul. Ou seja, o Vodou é plural, vivo e diverso.


Usar a qualidade de “clandestino” faz parecer que se trata de uma coisa não sancionada e fora dos padrões. Entretanto, não existe autoridade central no Vodou. Ainda, se os espíritos movem os servidores a se expressarem de determinado modo, como isso poderia ser “clandestino”?


Claro, estou sendo muito ousado. Leah Gordon ficou anos e anos no Haiti estudando o carnaval local. É uma autoridade. Eu, por outro lado, nunca vi o carnaval no Haiti. Estou falando sobre o que li e sobre o pouco que conheço. Porém, gosto de pensar que Gordon não se importaria com meu atrevimento. Quem sabe até o tomasse como um elogio. Afinal, seu trabalho está sendo reconhecido da melhor maneira: botando cabeças para pensar.


Espero que vocês tenham aproveitado bem essa pequena reflexão. Tenham todos um bom carnaval, seja aqui, no Haiti ou onde quer que vocês estejam.


Referência:


Gordon, Leah. Kanaval: a People´s History of Haiti. 2010. Small Axe. Duke University Press. Number 33 (Volume 13, Number 3). Pp. 135-141.

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