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El Monte

Foto do escritor: Eduardo RegisEduardo Regis

Frater Vameri



Imagem por Jean-Sang-O.


Aproveitando a edição lançada pela EdUSP em Português, estou relendo “A Mata” de Lydia Cabrera. Nesse livro fantástico ela vai revelando diversos costumes das religiões afro-diaspóricas cubanas, constantemente comparando-as a religiões irmãs de outros países. É um livro repleto de informações valiosas, divertido e que abre os olhos do interessado para um ponto frequentemente ignorado nas religiões afro-diaspóricas: a mata.


Como Cabrera coloca, a mata é mais do que a floresta ou que a selva, um jardim, uma pequena coleção de vasos ou até mesmo uma simples muda podem ser “a mata”. Essa reflexão interessante nos leva a crer que a separação do homem e da natureza é transposta pelas maneiras que são possíveis e alcançáveis. Se não há uma selva ou uma floresta selvagem que se possa visitar, há toda a potencialidade da natureza em outras formas.


O mais bonito do entendimento do papel da mata em Cuba é perceber como as plantas, os animais e o mundo natural não são somente o berço, mas simplesmente a base para tudo. No Vodou, a mata, el monte seria personificado principalmente por Gran Bwa, o Lwa que engloba as florestas, selvas, plantas e animais selvagens. Porém, não só ele. Por exemplo, temos em alguns Simbi um pouco desse mundo, assim como em certos Ogous também. Como Cabrera diz, “a mata” é imensa e poderosa demais para descer na cabeça de alguém – por analogia, podemos entender que ela, por ser assim tão grandiosa, admite camadas de mistério – representada por diferentes espíritos. Não pode haver contradição quando se é o todo, apenas inclusão.


Da mata se tiram os remédios, os venenos, as ervas sagradas, as ferramentas de culto, as roupas, ora, até nossos corpos vem da mata e voltam pra mata. Lá, na mata, além da presença humana, moram os espíritos – sempre reclusos. Moram também os mortos, pois eles estão onde os vivos não habitam.

Percebam que a natureza não pode ser dissociada dessas religiões afro-diaspóricas. Não é diferente com o Vodou, que estabelece uma relação entre o visível e o invisível, ambos “reinos” dentro da natureza. Se há a mata e ela é um espaço fronteiriço, ela é um umbral, com um pé lá e outro aqui. Na mata, quando a estrada se bifurca, podemos ser direcionados ao ordinário ou ao fantástico – sem nem mesmo percebermos a diferença.


No caso do Ounfò (templo de Vodou) temos um poste central que liga os mundos. Já discuti aqui em algum texto passado como esse poste pode ser uma representação da palmeira, do axis mundi. No caso mais especificamente de cuba, poderíamos pensar na ceiba. De toda a sorte, se temos uma “árvore dos mundos” e se lembrarmos que Gran Bwa é ele próprio identificado ao poste central do Vodou, temos que verdadeiramente a mata é a passagem entre os reinos.

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