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Dança no Vodou

Frater Vameri


Foto de autor desconhecido.


Nesta semana, por coincidências da vida, acabei sendo confrontado (novamente) com a importância da dança no Vodou Haitiano. Como observei no momento deste confronto, o movimento e o corpo são veículos vitais para o Vodou, para o Candomblé e para tantas outras espiritualidades de ascendência Africana. Este é um ponto sempre interessante de se discutir, já que a religiosidade ocidental não tende a valorizar tanto a presença do corpo.


Falando no termo “presença”, lembro-me de Hans Gumbrecht que em sua obra “Produção de Presença” no qual ele procura por maneiras “não hermenêuticas e não metáfisicas” – metafísica aqui sendo atribuir um valor além do que é substantivo - de apresentar conceitos. Nessa jornada (que resumi pobremente) ele argumenta que a cultura ocidental – predominantemente platônica – está sempre operando em favor do significado das coisas enquanto que o outro tipo de cultura, que seria uma “cultura de presença”, estaria ligada a uma “relação espacial com o mundo”, com “tangibilidade”. Neste sentido, o corpo é um aparelho importante e a dança logo me vem à mente e com essa corporeidade também parece que se sintonizam as espiritualidades de matriz Africana.


Neste sentido, lembro que Saint-Méry em suas descrições iniciais do Vadoux já nos falava da dança e da música. Se acompanharmos uma cerimônia de Vodou, a música e a dança estarão lá, de fato. Além disso, a possessão, a característica talvez mais popular da espiritualidade, é, para todos os efeitos, a tomada do corpo por um conceito que até então era senão abstrato, ao menos, metafísico, no sentido de ser algo além do que é palpável.


A possessão é, por si só, uma grande dança, na qual dois parceiros dividem o movimento espontâneo da religiosidade. Entretanto, o que mais é dança? A dança é uma expressão do corpo que segue um ritmo ou uma coreografia. Argumentar que todo o ritual de Vodou é uma grande dança não seria absurdo, já que há etapas que são necessariamente organizadas pelo movimento e pelo corpo. Numa cerimônia de Vodou, sentar e apelar aos espíritos apenas com a mente não é o comum, pois os espíritos comem e gostam de música.


É claro que a música é uma parceira adequada e frequente da dança e, portanto, tanto quanto ela sedimenta a materialidade da cerimônia. É curioso notar que os “louvores” aos Lwas em sua maioria não são orações, mas canções. A diferença é pequena, mas notável. No fundo são palavras faladas, mas a cadência e o ritmo impõe um movimento ordenado do corpo – nem que seja dos músculos da face e da língua – e talvez cantar seja mesmo, afinal de contas, dançar de alguma maneira. Porém, se acharmos que essa argumentação é um pouco exagerada, desafio qualquer um a cantar sem realizar um pequeno movimento que seja – como balançar o corpo, as mãos ou a cabeça. Não é dito em nenhum lugar que a dança precisa ser óbvia ou sempre de movimentos amplos e abertos.


Enfim, talvez este tenha sido um dos textos mais abertos deste website, mas antes de ser uma apresentação de conceitos, é um convite a pensarmos o quanto a nossa relação de corpo e de espaço pode trazer de conceitos. Há tempos se discute que a experiência religiosa não pode ser guardada em palavras, procura-se por algo além delas quando são lidos os místicos, doutores e afins das igrejas e religiões, mas, às vezes, esquecemos de procurar a experiência na materialidade, na nossa relação objetiva com as coisas e em atos verdadeiramente sólidos – como a dança.

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