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As origens dos Gede

Frater Vameri



Leah Gordon chamou os Gede de “garotos-propaganda” (posterboys) do Vodou. É difícil argumentar o contrário, visto que, de fato, esses espíritos parecem ser os que mais cativam a atenção dos interessados. É claro que o fato de estarem ligados à morte é uma das razões para seu forte poder de fascínio, mas não podemos nos esquecer também de sua irreverência. Apesar disso tudo, poucos se interessam em perguntar sobre as origens dessa classe de espíritos. Bem, por sorte, Katherine Smith resolveu responder justamente essa pergunta e vou me debruçar sobre o trabalho dela nesse artigo.


Katherine Smith é professora de Artes nos Estados Unidos e possui grande experiência em América Latina e Caribe. Dentre seus interesses, surgiu o de estudar os Gede. Aliás, a morte no Haiti foi tema de seu doutoramento. Portanto, estamos em boas mãos para a discussão que se segue.


Smith cita Médéric Louis Elie Moreau de St. Méry um advogado que publica em 1797 um livro sobre a Ilha de São Domingos e que nos brinda com o primeiro registro da palavra Vaudoux. Smith diz que não encontramos no trabalho de St. Méry menção aos Gede, embora ele note veneração ao cemitério. A autora então dá um pequeno salto para um trabalho de 1885 de Trouillot e conclui que os Gede também não aparecem ali.


Mudando seu foco, Smith discute que o título de Barão (do Barão Samedi) provavelmente tem origens na Maçonaria, que teve papel destacado no final do século XVIII, ajudando a articular elementos da Revolução Haitiana. Assim, ela entende que é provável que já nessa época, os ritos dos escravos tenham começado a se misturar aos ritos Maçônicos.


Smith recupera um elemento curioso de um romance de aproximadamente 1800 chamado Zoflora, ou la bonne négresse, de Jean-Baptires Picquenard no qual há uma possível descrição da impressão dos escravos sobre os Maçons da época. Reproduzo aqui a tradução desta passagem:


        “Eu mantive em minha plantação em Corail uma loja da Maçonaria, e meus domesticos tendo observado nos emblemas daquela sociedade presos nas paredes da sala de reuniões, crânios, ossos cruzados, punhais, espadas, estrelas, etc. não puderam evitar tomar-me como um feiticeiro, que de acordo com  sua credulidade ridícula, fez um pacto com o grande Zombi, ou em outras palavras, o diabo”.

Para Smith, esses elementos Maçônicos teriam sido constitutivos dos Gede. Seja como for, ela relata que é só no início do século XX que aparecem os primeiros registros específicos sobre os Gede. De acordo com a autora é em um romance chamado Mimola; ou, L´histoire d´une casssette de Antoine Innocent, publicado em 1906, que a menção aos Gede aparece primeiro. Entretanto, ela alega que são apenas menções breves, sem detalhamentos e que não caracterizam os Gede como hoje conhecidos.


É no trabalho de Eugène Aubin publicado em 1910 chamado Em Haiti que Smith começa a achar pistas mais sólidas. Smith conta que nesse livro, Aubin coleta vários relatos e diz que “Guédé” é “parte da nação Guiné de espíritos, juto de Legba e Danbala e Agwe” e que seu altar é preto com ossos. Smith também junta relatos de diversos etnólogos e parece apontar para o berço dos Gede ser em Porto-príncipe. Citando especificamente Zora Neale Hurston, Smith relembra que esta pesquisadora credita a um grupo de escravos na capital a criação de Gede, que depois teria se solidificado em um culto marginalizado e, finalmente, se espalhado pelo país – e que na época de estudos de Hurston (1938 aproximadamente), ainda não havia Gede em algumas regiões mais afastadas da capital.


Smith explora outras nuances da formação mais tardia dos Gede, mas acho que com o que temos já podemos pensar sobre quando e onde esses espíritos aparecem. Embora pareça claro que a veneração ancestral e que o respeito pelos espíritos dos mortos tenha aparecido muito precocemente no Vodou, é possível que a classe específica dos Gede e seus maneirismos sejam mais recentes do que se esperaria em uma investigação superficial.


Referência:


2012 “Genealogies of Gede,” in In Extremis: Death and Life in 21st Century Haitian Art, ed. Donald Cosentino (Los Angeles: Fowler Museum at UCLA), 85-100

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