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A tal da equivalência dos espíritos...

Frater Vameri



Imagem de Suju-foto por Pixabay.


Ouço muita discussão sobre o que chamo de maneira bem descontraída de “Equivalência de Espíritos”. Um tema que considero bastante polêmico. Entendo que esta é uma área que engloba toda a discussão acerca da identidade e similaridade/dissimilaridade de espíritos em tradições distintas. Para ficar mais claro, estamos nessa seara quando alguém afirma que o Barão Samedi é o mesmo que o Exu Caveira ou que o Exu de Quimbanda não trabalha em Umbanda.


Arrisco que o leitor concorde comigo que este seja um tópico, de fato, que “dá pano para manga”. Diferentes visões dos processos e das filosofias operarão sobre a questão gerando opiniões díspares. Não pretendo aqui encerrar o assunto. Aliás, nem mesmo me sinto capaz de apontar uma direção mais harmônica. Como um malabarista, tentarei equilibrar as coisas e torcer para que o espectador (o leitor) fique comigo até o final.


Quem gosta de dizer que as coisas são equivalentes ou similares, geralmente tem em conta que as diferentes culturas são máscaras para uma verdade universal, essencial e imutável. Assim, se há o fenômeno da morte, este fenômeno se apresentará de várias maneiras. Anúbis e Osíris, no antigo Egito seriam expressões da morte. No Brasil, teríamos alguns Exus, algumas Pombas-Giras. Para os Iorúbas, Ikù. Partindo desse princípio seria tudo a mesma coisa, mas variando conforme o observador. Assim, as particularidades não seriam nada mais do que sabores regionais e ocasionais, que não mudariam, de fato, o âmago da questão.


Para outros, o geral é inespecífico. Ou seja, tratar de morte muita coisa trata. Coveiro, papa-defunto, médico-legista. Assim, Ikù, Anúbis e Barão Samedi não guardariam quase nada em comum, só o fato de estarem (de alguma maneira) conectados à morte. Entretanto, assim como ninguém ousaria dizer que todo bombeiro é igual só pela razão de combaterem o fogo, também não pareceria razoável afirmar que todos os espíritos que lidam com a morte sejam a mesma coisa. Aqui, o foco estaria sim nas características individualizantes que, sendo muitas, não poderiam ser descartadas, pois colocariam cada espírito em esferas muito distintas.


Isto tudo, de alguma maneira, me lembra a já citada velha discussão entre Umbanda e Quimbanda. A confusão já começa nas denominações. Há quem ache que Quimbanda é coisa de dentro da Umbanda, há quem ache que são coisas totalmente diferentes. Daí nasce uma discussão: o Exu que trabalha na Umbanda é o mesmo que trabalha na Quimbanda? Novamente as opiniões divergem. Há quem jure que jamais poderia acontecer algo assim. Outros, por sua vez, têm certeza de que Exu é Exu não importa onde esteja. Neste ponto, minha tendência é ficar com a segunda opinião. A razão é simples, além de serem cultos extremamente entremeados, falamos de uma mesma classe de espíritos que pode transitar em ambientes diferentes. Logo, o ponto aqui é ligeiramente distinto do colocado anteriormente.


Sobre se é tudo igual ou diferente, sempre parece difícil concluir alguma coisa com absoluta certeza. Nessas horas, diria que nada substitui a experiência. Entretanto, vou tentar colocar um pouco da minha perspectiva. Meu primeiro ponto é que talvez esta questão não seja tão fundamental assim. Talvez não passe de um detalhe que interessará apenas aos mais teóricos. Afinal, na prática, se você tem sua espiritualidade e ela está funcionando, por qual razão se preocupar com isso? Na dimensão mais objetiva, isso não faz diferença. Claro, adoro uma boa discussão e uma bela dissecção de ideias, então, por mais que na prática eu não pense nisso, quando estou pensando o sistema é uma questão que surge.


O segundo ponto gira em torno da relevância estruturante da cultura. Pensar que os espíritos não estão inseridos no contexto cultural e que não tem agência social me parece um equívoco. Neste sentido, diria que o leitor já suspeita de qual seja a minha posição. Não acredito na generalidade e deposito minhas fichas na especificidade. O universo é infinito, as possibilidades são incalculáveis e não é possível que nos restrinjamos a pensar sempre em grandes categorias. A individualidade do espírito não me parece uma questão que está em debate, pois toda a prática colocará bem claramente como um ou outro espírito se comporta, do que gosta e do que trata. Nestes termos, dizer que as coisas são as mesmas não faz sentido.


Optar por uma visão mais específica também traz outa vantagem enorme: valoriza os sistemas. Assim evitamos aquela misturada que frequentemente é desarmônica (para não dizer sem pé e nem cabeça). Ora, antes que me acusem de ser contra misturas, não sou. Entretanto, toda mistura pede por espontaneidade. Forçar uma coisa dentro da outra me parece extremamente prejudicial. Perde-se o norte e até mesmo o sentido das coisas.


Portanto, prezo por, à priori, cada coisa em seu lugar. Quando me falam que tudo é a mesma coisa, torço o nariz e tento argumentar que somos começar a operar desta maneira, melhor seria logo encerrarmos tudo, pois quando qualquer coisa é qualquer coisa, tudo se transforma verdadeiramente em nada.

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